Será que é amor?

Ah, o amor! Passarinhos cantando, arco-íris no céu, o dia florido, cabeça nas nuvens, borboletas no estômago e aquele sentimento de loucura e dependência - Epa, calma! Loucura e dependência não

Relacionamento abusivo nos livros

Desde a infância somos expostos na convicção de que encontraremos o “amor de nossa vida”, possivelmente na transição entre a juventude para a fase adulta, e ao passar dos anos essa pressão vai aumentando, fazendo-nos questionar quando o querido príncipe encantado de cavalo branco irá aparecer, salvando nossas vidas monótonas e sem sentido. Essa ideologia está em todos os lados - pessoas, mídia e ficção

Lembro de rodar pela sala como se estivesse dançando valsa com meu príncipe de contos de fadas da Disney, querer um vampiro como Edward Cullen para chamar de meu, desejar viajar no tempo e encontrar o meu James Fraser ou até mesmo mudar a vida de um bad boy universitário com o amor… Afinal, quem não quer uma grande história romântica cheia de reviravoltas e emoções?

É nesse desejo de ter o que nos foi imposto desde nossa infância que o amor se torna uma cilada e o que deveria ser uma parte da felicidade se torna o maior pesadelo… Um tal de relacionamento abusivo, já ouviu falar?

O relacionamento abusivo vai muito além da violência física, ele pode começar com ciúmes e possessividade, ridicularizando o parceiro, chantagem na falta de carinho e atenção, querer isolar dos amigos e familiares, ter controle em decisões do outro. O abuso começa sutilmente e é aí que está o problema, pois as pessoas não percebem que estão entrando nessa relação porque, na cultura atual, há um limite para possessividade, como se até um certo ponto um ser humano pudesse ser de outra pessoa. A arte e o entretenimento são grandes influenciadores da sociedade, assim como a literatura, o nosso objeto de pesquisa da vez.

É com dor no coração que venho aqui falar sobre a romantização dos relacionamentos abusivos na literatura, sendo mais específica, no gênero de New Adult (NA).

Proposto pela primeira vez em 2009 pela St. Martins Press e ganhado popularidade em meados de 2013, New Adult é uma nova categoria voltada aos jovens adultos. Abordando a temática de jovens que atingiram a maioridade mas ainda estão no processo de transição, descoberta e construção do caminho em amadurecer. Tá legal, mas o que o diferencia de um Young Adult ou Adulto? É a transição dos personagens, seu primeiro emprego, ida a faculdade, morar fora de casa, busca de independência e autoconhecimento, sobrevivência depois de um trauma e um forte elemento nesse gênero é um relacionamento conturbado entre os protagonistas.

É como uma receita de bolo: A protagonista tem um trauma do passado, entra na faculdade e conhece um bad boy pegador, eles vão brigar desde o início mas a atração física estará sempre presente. Depois de muitas brigas, eles ficarão juntos, mas em um relacionamento conturbado e dependente (o querido relacionamento abusivo), eles se separam e, no fim, ficam juntos.
OBS: Muitos NA seguem essa fórmula, mas existem outros tipos de livros no gênero. Não estou generalizando como se todos os livros fossem assim.

Apesar de alguns livros abordarem essa temática de forma crítica - como É assim que acaba (Colleen Hoover), Sorrisos Quebrados (Sofia Silva) e Amor Amargo (Jennifer Brown) -, existem outros que romantizam essa temática, pois todo ciúmes, possessividade e dependência é uma forma de demonstrar o amor, toda briga que tem violência termina no “melhor sexo de todos”, a chantagem na falta de carinho e atenção é uma consequência do trauma do passado e o controle nas decisões e ações do parceiro é uma preocupação pelo outro.

Em diversas obras do NA (e de todos os outros) podemos ver um ou todos esses elementos, como em um dos pioneiros do gênero e o mais famoso, Belo Desastre de Jamie McGuire. O livro contará a história de Abby, uma garota que, para fugir de seu passado perturbador, irá para a faculdade em outro Estado junto com sua amiga e lá ela conhecerá o bad boy e o maior pegador da universidade, Travis Maddox. De começo, Abby e Travis serão amigos, mas a forte atração sempre estará em torno deles.

Durante o começo, veremos Abby tentando se afastar de Travis, mas o garoto ficará atrás dela, insistindo em conhecê-la. A amizade entre ambos era saudável e gostosa de ser lida, mas quando o relacionamento torna algo maior que uma simples amizade, Travis ficará obcecado pela protagonista, estando com ciúmes dos amigos da garota e do outro pretendente da protagonista, tornando-se mais violento e impulsivo com rapazes que tentavam conversar com ela, chantageando-a para ter atenção e quando começam a namorar o “mocinho” fica possessivo e passa a controlar as decisões e impedir algumas escolhas da protagonista.

As atitudes explosivas do protagonista eram sempre justificadas e aceitas, como se ele não tivesse controle de si e que não era culpa dele. Mas deixa eu te dizer uma coisa: É culpa dele!

Além de Belo Desastre, temos a série Sem Limites de Abbi Glines e After de Anna Todd, destaco o último, pois, apesar do gênero NA ser indicado para maiores de 16 anos e ser feito para pessoas de 18 a 26 anos, After ficou famoso entre o público jovem. Se para os “jovens adultos” e adultos esses livros são grandes influenciadores da ideologia, para os adolescentes a preocupação é maior.

Minha função não é realizar um julgamento, mas é uma forma de tentar fazer com que paremos um pouco para questionar sobre qual conteúdo estamos consumindo, pois a literatura faz parte da formação das pessoas, influenciando em como pensamos e agimos em nossos próprios relacionamentos e na vida pessoal.

Abuso, independente do tipo, não deve ser romantizado, porque, de acordo com a pesquisa realizada com mulheres de 14 a 24 anos pela ONG livre de abuso, mais da metade das entrevistadas já sofreram algum tipo de violação de seu parceiro, seja assédio, controle ou ter relações sexuais a força.

Amor é querer e fazer o bem ao outro a partir do companheirismo, é fazer parte da vida do parceiro, não ser a vida do outro. O amor não muda uma pessoa abusiva, o amor pode curar, mas não faz milagres.

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